Nas profundezas de seus laboratórios, a Monsanto está aprendendo a modificar culturas pulverizando RNA sobre elas, em vez de mexer em seus genes. Confira na reportagem do MIT Technology Review.

O besouro da batata do Colorado é um comedor voraz. O inseto pode mastigar 10 centímetros quadrados de folha por dia e sem a devida atenção pode deixar uma planta nua. Mas os besouros que eu estava olhando estavam condenados. A planta que eles estavam devorando – verde brilhante e cuidadosamente protegidas em um laboratórios da Monsanto em St. Louis – haviam sido encharcadas com um spray de RNA.

O experimento aproveita um mecanismo chamado interferência de RNA. É uma maneira de desligar temporariamente a atividade de qualquer gene. Neste caso, o gene sendo desligado era vital para a sobrevivência do inseto. “Eu tenho certeza que 99 por cento deles estará morto em breve”, disse Jodi Beattie, um cientista da Monsanto que me mostrou o experimento.

A descoberta da interferência de RNA rendeu a dois pesquisadores um Prêmio Nobel em 2006 e iniciou uma luta na criação de drogas que bloqueiam genes causadores de doenças. Usando essa mesma tecnologia, a Monsanto agora acredita ter encontrado uma alternativa para os organismos geneticamente modificados convencionais, ou OGM. Ela já pode matar insetos fazendo com que eles comam folhas revestidas com RNA especialmente projetado. E se a empresa conseguir desenvolver sprays que penetram as células das plantas, como está tentando fazer, poderia bloquear certos genes de plantas também. Imagine um spray que faz o tomate ter um gosto melhor ou ajuda as plantas a sobreviver a uma seca.

Monsanto não é a única a trabalhar em sprays genéticos. Outras grandes empresas de biotecnologia agrícola, incluindo a Bayer e aSyngenta, também estão investigando a tecnologia. O apelo é que a tecnologia oferece controle sobre genes sem modificar o genoma da planta, isto é, sem criar um OGM.

Isso significa que os sprays podem contornar grande parte da controvérsia existente na biotecnologia agrícola. Ou assim esperam as empresas. O que é certo é que uma maneira de cumprir as metas da engenharia genética, sem ter que desenvolver OGMs poderia trazer recompensas comerciais. Sprays podem ser rapidamente adaptados para travar uma batalha contra uma infestação de insetos ou um novo tipo de vírus. Não só poderia ser mais rápido do que criar novas culturas geneticamente modificadas, mas os efeitos do silenciamento de genes por RNA de interferência duram apenas alguns dias ou semanas. Isso significa que você pode pulverizar para dar características como resistência à seca em tempos de escassez de água sem afetar o desempenho da planta em tempos de chuvas normais.

Beattie me mostrou um grande frasco de vidro em que RNA seco e purificado brilhava como isopor de embalagem desintegrado. Há alguns anos, este tanto de RNA poderia ter custado US$ 1 milhão, uma das razões porque poucos teriam pensado em pulverizá-lo a partir de tratores em fileiras de milho. Mas o custo de fazer RNA despencou. A Monsanto estima que agora custe US$ 50 por grama. Um décimo de grama, disse a empresa, é potente o suficiente para matar 100 por cento dos besouros em um acre de plantação.

Na Monsanto conheci Robb Fraley, diretor de tecnologia da empresa, que supervisiona uma equipe de pesquisa de 5.000 pessoas. Três anos atrás Fraley designou os sprays de RNA como uma das novas áreas da Monsanto para desenvolvimento de produtos. Ele acha que dentro de alguns anos eles vão “abrir toda uma nova forma de usar a biotecnologia”, que “não tem o mesmo estigma, os mesmos estudos regulatórios intensivos e custos que nós normalmente associamos com OGMs.” Ele disse às pessoas que acham que a ferramenta é “incrível” e de “tirar o fôlego” e que “de todas as plataformas em que estamos trabalhando, essa é a que me faz lembrar mais dos primeiros dias da biotecnologia”.

Foi Fraley que fez as primeiras plantas geneticamente modificadas da Monsanto na década de 1980 – petúnias resistente a um veneno de planta. Hoje, a Monsanto tem uma receita de aproximadamente US$ 9 bilhões por ano a partir de sementes geneticamente modificadas para culturas que produzem a toxina Bt, contra insetos, ou resistem ao herbicida Roundup. Milho, soja e algodão geneticamente modificados agora estõa espalhados por 180 milhões de hectares. E isso tem gerado uma controvérsia pública muito vasta. Para seus críticos mais fortes, a empresa é simplesmente “Monsatica”.

Mas com a tecnologia de pulverização de RNA, que a Monsantochama BioDirect, a empresa pode ter encontrado algo que vai atormentar os adversários. Os sprays são feitos a partir de uma molécula ubíqua que se degrada rapidamente no solo. Ela pode ser geneticamente precisa o suficiente para matar pragas da batata, mas poupar seus primos joaninha. E até agora, consumir moléculas de RNA parece não mais tóxico para pessoas do que beber um copo de suco de laranja. Como a Monsanto coloca em uma carta aos reguladores norte-americanos, “os seres humanos têm comido RNA desde que começamos a comer.”

A oposição pública, regulamentos e o ritmo lento de melhoramento de plantas significa que, em média, trazer uma nova cultura geneticamente modificada para o mercado custa mais de US$ 100 milhões e demora cerca de 13 anos. Mas imagine que você queira lutar contra um vírus de plantas, diz James Carrington, diretor de uma organização sem fins lucrativos de Missouri chamada Danforth Plant Science Center e conselheiro para Monsanto. “Se você pode ganhar o controle com um spray, você pode imaginar um produto que pode mudar muito rapidamente, que você pode testar mais rápido, com experiência mais rápido, e trazer para o mercado mais rapidamente”, diz ele. “Você pode responder a questões que possam surgir.”

Nem todo mundo está convencido, no entanto, que a aplicação de RNA será comercialmente viável ou menos controversa do que a modificação genética. “O público não está aceitando OGM, e isso poderia ser mais alarmante. As pessoas vão dizer que você está tomando o RNA e o está pulverizando a céu aberto”, diz Kassim Al-Khatib, um fisiologista de plantas na Universidade da Califórnia, Davis. “A aceitação da biotecnologia tem que estar lá antes que você possa oferecer uma outra abordagem. Esta não é uma tecnologia para amanhã. É para o dia depois de amanhã.”

Quando eu conheci Fraley, ele não negou que haveriam obstáculos – na verdade, foi isso que o fez lembrar muito dos primeiros dias da biotecnologia. Ele diz ainda que ninguém entende exatamente como colocar RNA dentro das células de uma planta usando um pulverizador de campo, pelo menos não com o baixo custo e eficiência que os agricultores estão procurando. Muitos insetos também não são facilmente afetados. A Monsanto tem gasto milhões para solucionar esses problema, colaborando com empresas de biotecnologia especializadas em entrega da medicamentos. “Ainda estamos a alguns avanços de distância”, diz ele.

Controle de plantas daninhas

As células de plantas e animais têm suas instruções escritas sob a forma de DNA. Para produzir uma proteína, a sequência de letras genéticas presente em cada gene é copiada em cadeias correspondentes de RNA, que, em seguida, migram para fora do núcleo para guiar o maquinário celular na produção de proteínas. Interferência de RNA, ou silenciamento de genes, é uma maneira de destruir mensagens específicas de RNA de modo que uma proteína específica não seja produzida.

O mecanismo é natural: ela parece ter evoluído como um sistema de defesa contra vírus. Ele é acionado quando uma célula encontra RNA de cadeia dupla ou duas fitas coladas – do tipo que o vírus cria quando tenta copiar seu material genético. Para se defender, a célula corta a molécula de RNA de cadeia dupla em pedaços e usa as peças para procurar e destruir quaisquer mensagens de RNA correspondente. O que os cientistas descobriram foi que, se eles projetarem RNA de cadeia dupla correspondente a genes próprios de uma célula animal ou vegetal, eles conseguiriam fazer as células silenciar genes, mas não só os do vírus.

Algumas plantas geneticamente modificada já usam interferência de RNA para desativar enzimas indesejadas, ou matar vírus ou pragas. O tomate Flavr Savr – a primeira cultura geneticamente modificada, a ser aprovado nos Estados Unidos, em 1994 – aproveita o mecanismo para bloquear uma enzima que torna os tomates macios, para que possam amadurecer por mais tempo na videira. Como o algodão e o milho Roundup Ready da Monsanto, o Flavr Savr era um OGM. Suas sementes têm um gene extra que fabrica uma molécula de RNA específica. Desde então, as empresas têm engenharado algumas outras plantas para aproveitar a interferência de RNA.

Este ano uma maçã Granny Smith geneticamente modificada para silenciar um gene que faz com que as fatias de maçã fiquem marrons conseguiu um folga dos órgãos regulamentadores. Antes disso, a indústria Havaiana de papaia foi salva pelas plantas modificadas para produzir RNA que as defende contra o vírus da mancha anelar. E a Monsanto está aguardando aprovação para vender milho que usa a interferência de RNA para matar o verme da raiz do milho ocidental. Essa planta é o primeiro OGM a incorporar um RNA inseticida em sua composição genética.

Mas e se você pudesse apenas pulverizar o RNA em vez de mexer com o genoma da planta? Um químico chamado Doug Sammons foi a primeira pessoa dentro da Monsanto a ter a ideia. Ele estuda as ervas daninhas que se tornaram resistentes ao glifosato, herbicida que os a Monsanto comercializa sob a marca Roundup. Estas ervas daninhas se tornaram um grande problema para os agricultores e para a Monsanto. Sammons determinou que algumas ervas daninhas resistentes têm até 160 cópias extras de um gene chamado EPSPS. É exatamente essa enzima que o glifosato interfere, bloqueando o crescimento das plantas. Os super-ervas daninhas tinham encontrado um truque para superar o herbicida.

Sammons acredita que as copias extras do gene da erva daninha podem ser reprimidos com a interferência de RNA. O problema era que, como as ervas daninhas são selvagens, a Monsanto não têm como controlar sua composição genética, como é possível fazer com uma planta de milho. “Então ele veio até nós e disse: Por que nós não apenas pulverizamos em uma planta? Ficamos perplexos”, Diz Gregory Heck, um gerente de pesquisa da Monsanto. “Nós só tínhamos pensado em [OGM] até alí”

Parecia improvável que funcionasse, mas ele fez funcionar, de acordo com a Monsanto. Em testes de laboratório e em um terreno na estrada em Illinois que foi invadido por ervas daninhas, uma mistura de Roundup e RNA de cadeia dupla codificada para coincidir com o gene EPSPS fez as ervas daninhas resistentes murchar. De acordo com patentes da Monsanto, a técnica também envolveu pulverização de um surfactante de silicone que permitem que as moléculas de RNA deslizem para dentro dos poros de troca de ar na superfície da planta. De alguma forma, a imersão das folhas em RNA fez o efeito de silenciamento se espalhar por toda a planta, afetando-a tempo suficiente para permitir que o herbicida fizesse efeito.

A tecnologia poderia dar à Monsanto uma nova e exclusiva formulação de Roundup (que perdeu sua patente original há vários anos) e ajudar a lidar com as ervas daninhas problemáticas que se espalharam através da terra dos Estados Unidos. “É definitivamente um prêmio se você pode reativar o glifosato”, diz Heck. Mas os cientistas da empresa viram que poderiam fazer muito mais: eles poderiam, teoricamente, chegar a temporariamente bloquear qualquer gene em qualquer cultura. “Pode ser uma erva daninha ou uma planta de milho”, diz Lyle Crossland, um gerente de sênior daMonsanto. “Você poderia simplesmente editar as informações da sequência. Desligar o gene que faz a fruta ficar marrom; fazer algo com tolerância à seca, com a fotossíntese. Temos um monte de sondagem acontecendo”.

Alguns especialistas de plantas não estão convencidos de que é viável ainda. Stephen Powles, diretor da Iniciativa Australiana para a Resistência a Herbicidas e professor da Universidade da Austrália Ocidental, me disse que tinha “tentado” repetir o experimento da erva daninha da Monsanto, mas não tinha sido capaz de fazê-lo funcionar. “Pegar RNA de cadeia dupla e pulveriza-lo sobre plantas, fazê-lo entrar na planta e matar a planta, não é fácil. Na verdade, é muito, muito difícil”, diz ele. “Tem o problema da tecnologia de formulação, da vida útil e de se aguenta ficar balançando na traseira de uma caminhonete por uma semana a 43°C”.

Richard Jorgensen, um biólogo vegetal, que foi o primeiro a observar a interferência de RNA, acredita que modificar traços com um spray “pode ser algo muito desigual”, em comparação com um verdadeiro OGM. Digamos que você queira transformar flores em uma cor específica. “Será que você pulverizá-las toda semanas e esperar que ele chegue a todas as células do broto da planta? Eu acho que há muitas limitações em comparação [com o OGM]”, diz ele. Para Powles, no entanto, a ideia de características fáceis de adaptar tem forte apelo. “É uma maneira de elegantemente selecionar genes específicos e desliga-los. E há característica indesejáveis em tudo”, diz ele.

Amadorismo

Após a descoberta das plantas daninhas, que ocorreu em 2010, aMonsanto começou a gastar muito dinheiro para construir uma posição em tecnologia de RNA. Assumiu o controle de uma empresa chamada Beeologics, que havia encontrado uma maneira de introduzir RNA na água com açúcar de que as abelhas se alimentam, a fim de matar um ácaro parasita que infesta colmeias. Essa empresa também tinha desenvolvido uma maneira muito mais barata de fazer RNA.

Monsanto também começou a tentar decifrar o problema de inserir o RNA em plantas de forma mais eficiente. Ela pagou US$ 30 milhões pelo acesso ao conhecimento em interferência de RNA e patentes detidas pela empresa de biotecnologia Alnylam e ela fez um acordo semelhante com Tekmira, um especialista em entrega RNA com sede em Burnaby, British Columbia. A Monsanto também financia uma empresa de 15 pessoas chamada Preceres, uma empresa pequena que criou próximo ao campus do MIT, onde misturadores robóticos se ocupam de misturar RNA com nanopartículas de revestimentos especializadas.

A startup foi criada por especialistas em entrega de medicamentos, incluindo os professores do MIT Daniel Anderson e Robert Langer, que passaram uma década aprendendo como fazer medicamentos de RNA entrar em células humanas, um problema tão difícil que quase levou ao fracasso a ideia de tais medicamentos. Anderson me disse que o projeto voltado para a agricultura enfrenta dificuldades substanciais também. “É mais fácil de imaginar se você está injetando uma pessoa veias, mas se você está pulverizando de um avião, seria um conjunto totalmente diferente de desafios”, disse ele. “Nós não temos que nos preocupar com correntes de vento quando falamos de medicamentos”.

A tarefa básica na Preceres é como fazer uma molécula grande, eletricamente carregado como o RNA para se mover através da cutícula de cera de uma planta e entrar em suas células. Para conseguir isso, os pesquisadores estão trabalhando para encapsular o RNA em nanopartículas sintéticas chamadas lipidoids — gotas gordurosas com caudas de químicos especializados. A ideia é a de passa-los sobre uma planta, onde o revestimento vai dissolver-se, libertando o RNA. As formulações são produzidos em St. Louis para testar em estufas.

Roger Wiegand, CEO da empresa, diz que a empresa também está tentando matar insetos que não são tão facilmente afetados pelo RNA como o besouro da batata. “Há insetos que apenas riem de RNA de cadeia dupla”, diz ele. Entre eles a lagarta que agora infesta as lavouras de soja do Brasil. Ele diz que algumas das formulações são testadas para sua durabilidade na saliva da lagarta que aMonsanto envia para Cambridge.

Se eles forem capazes de resolver os problemas de entrega, acredita Wiegand, sprays de RNA serão “um negócio muito importante” e um grande avanço do mesmo nível que os OGM foram. “No entanto, até agora, apenas alguns publicações científicas se quer mencionam a ideia de sprays de RNA. Isso faz com que seja difícil julgar reivindicações das empresas. E muitos não estão falando a todos.Bayer recusou-se a comentar sobre o seu programa de pesquisa. ASyngenta, fez o mesmo, comprando em 2012 pagou 523 milhões de dólares para adquirir Devgen, uma empresa de biotecnologia europeia que havia trabalhado em inseticidas de RNA.

Um projeto sobre o qual aprendi é liderado por Nitzan Paldi, um empresário israelense que foi cofundador da Beeologics. Sua startup atual, chamada Innovations Forrest, está investigando uma solução para a doença conhecida como greening, uma praga que está destruindo a indústria de citros da Flórida e também está presente no Brasil. Causada por bactérias transmitidas por um inseto invasivo chamado psilídeo asiático do citrus que deixa as laranjas duras e pálidas, e seu suco com o sabor de combustível de avião. No ano passado, 22 por cento das laranjas na Flórida, de repente caíram das árvores.

Paldi não quis divulgar exatamente como ele está aplicando o RNA, mas ele disse que espera bloquear genes envolvidos na reação das árvores às bactérias. É a sua resposta imunológica à infecção que causa os sintomas. Se o tratamento funcionar, Paldi acredita, uma intervenção com RNA poderia passar batido pelos reguladores. Com os produtores desesperados e a perspectiva de não ter mais suco de laranja da Flórida, o público pode abrir a mente também. “Estamos potencialmente chegando para salvar o dia”, diz ele.

Combinação assassina

Na Monsanto, o esforço para desenvolver um spray de RNA para matar besouros de batata ultrapassou a ideia de plantas daninhas. A tecnologia pode chegar ao mercado em 2020, diz Jeremy Williams, um geneticista da Monsanto que lidera o programa de inseticidas. A empresa determinou qual será o gene alvo e começou esforços para tornar o spray à prova de chuva para que adira à folha e não seja lavado por pelo menos uma semana.

Uma das razões do besouro de batata ser um alvo interessante para sprays de RNA é que ele é famoso por se tornando resistente aos inseticidas convencionais. Desde 1952, já desenvolveu resistência a mais de 60 deles, começando com o DDT. Mas a interferência de RNA é uma arma que Williams não acha que será fácil de superar. Se o besouro evoluir para resistir a uma molécula de RNA, diz ele, os geneticistas poderiam facilmente lançar um novo ataque: só “mudar a sequência” em algumas letras ou atacar vários genes de uma só vez.

Monsanto também tem se interessado pelo problema que enfrentam os produtores de laranja. Colabora com Wayne Hunter, um entomologista de cabelos espetados no laboratório do Departamento de Agricultura dos EUA de em Fort Pierce, na costa atlântica da Flórida, onde pomares de laranja e toranajas são afetados pela doença. Com a ajuda da Monsanto, Hunter vem tentando matar o inseto psilídeo com RNA. Ele me guiou por um terreno com 100 laranjeiras, explicando que ele tinha encharcado suas raízes com RNA ou o injetado em seus troncos. O resultado mais interessante de Hunter é que as laranjeiras parecem absorver RNA de cadeia dupla e segurá-lo. Ele aplica uma dose relativamente grande a cada árvore, cerca de 200 miligramas, e ainda encontra vestígios das moléculas em suas copas três meses mais tarde.

No laboratório de Hunter, psilídeos foram alimentando com mudas de árvores plantadas em recipientes contendo líquido enriquecido com RNA de cadeia dupla. Hunter estava testando sequências específicas que correspondem a genes cruciais para o inseto. Um deles, que codifica a produção da arginina quinase, interfere com a sua capacidade de produzir energia.

Antes de escolher um alvo, os cientistas podem vasculhar bases de dados de DNA on-line para evitar genes de insetos do bem, como as abelhas. É preciso uma correspondência exata de aproximadamente 20 letras consecutivas para a interferência de RNA funcionar. As moléculas de RNA de cadeia dupla resultantes, geralmente com 200 letras de comprimento, são então transmitidas a outras espécies, incluindo abelhas, afídios e moscas brancas, como um teste prático dos efeitos “fora do alvo”. A Monsanto descobriu que suas sequências – que chama de gatilhos – geralmente não afetam nenhuma espécie que não as mais intimamente relacionadas, insetos do mesmo gênero. “As diferenças são genéticas”, diz Hunter. “Os genes dos insetos não são idênticos. Se não forem iguais, não vão morrer”.

Em contraste, inseticidas convencionais acabam com insetos úteis, juntamente com os invasores. Para evitar o greening, os produtores da Flórida têm aplicado esses produtos químicos até uma vezes a cada duas semanas. Um deles, o imidacloprid, é restrito na Europa pela sua possível ligação com o colapso das colônias de abelhas. “Temos apenas que nos afastar do uso pesado de pesticidas”, diz David Hall, chefe da unidade de pesquisa em insetos subtropicais para a qual Hunter trabalha.

Até agora, parece que os tratamentos de RNA seriam no máximo um paliativo nos laranjais, não uma solução. O RNA não mata insetos instantaneamente, como uma neurotoxina química. No laboratório de Hunter, insetos só começam a morrer depois de quatro dias, e alguns vivem duas semanas. “É um biopesticida – leva mais tempo para funcionar”, diz ele. Talvez em parte por essa razão, o estudo de campo com 100 árvores apoiado pela Monsanto tenha produzido resultados duvidosos. As árvores continuaram cobertas com psilídeo, mas eles poderiam ter vindo de outro lugar. Hunter está planejando tentar novamente em uma grande estufa fechada, onde ele pode aplicar RNA em cada árvore, simulando o que aconteceria se os produtores utilizassem uma aplicação “ampla”.

Enquanto isso, os produtores estão tentando qualquer coisa. Alguns trituram árvores infectadas. Há também uma árvore geneticamente modificada que é resistente à praga, graças a um gene de uma planta de espinafre que foi adicionado. Mas mesmo se os consumidores aceitarem o suco de laranja geneticamente modificada, essas árvores não poderia ser plantada rápido o suficiente para substituir as milhões de árvores doentes nos pomares da Flórida. Moléculas de RNA de Hunter provavelmente não chegarão rápido o suficiente. “Nós ainda estamos a 10 anos disso”, diz ele. “Esse é um problema desta tecnologia. Por aqui, há uma pressão enorme para chegar a uma solução”.

Grandes Perguntas

Pessoas da equipe de relações públicas da Monsanto me disseram que esperavam se comunicar melhor sobre os sprays de RNA do que foi feito para os OGMs. (Quem visita os escritórios da empresa pode pegar um folheto intitulado “12 Mitos sobre a Monsanto“, o número 1 é o boato de que proibia OGMs em sua própria lanchonete). Até agora, os sprays estiveram muito longe no pipeline de P&D para atrair a atenção dos oponentes dos OGM. Mas as plantas geneticamente modificadas para usar os silenciamento de RNA têm atraído críticas. Em 2012, a Safe Food Foundation na Austrália alegou que o trigo experimental desenvolvido pelo governo australiano poderia matar pessoas. Eles disseram que o RNA projetado para alterar o conteúdo de amido da planta poderia coincidir com o gene para uma enzima do fígado humano e interferir com ela, também. A acusação é muito criativa, principalmente porque RNA não parece conseguir sobreviver à saliva ou os ácidos estomacais de uma pessoa. Mesmo assim, diz Wiegand, “a grande questão que qualquer cético vai levantar é: Se você está matando os insetos, o que isso vai fazer para mim?

Monsanto tem construído o alicerce para o inevitável debate sobre segurança. Ela enviou funcionários a mercados e fazendas para coletar frutas e legumes que pareciam estar sofrendo de infecções virais. Analisando-os, descobriram milhares de fragmentos de RNA virai, muitos dos quais eram praticamente iguais a genes humanos. No entanto, não se sabe de ninguém que tenha sido afetado por RNA existente em alimentos. Dado este “histórico de consumo seguro”, a empresa concluiu, que meros gatilhos em comum entre RNA e genes humanos têm “pouca relevância biológica”.

No ano passado, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos pediu a um painel de especialistas que os ajudasse a decidir como regular inseticidas baseados em RNA, incluindo sprays, bem como os incorporados aos genes de uma planta. Em uma carta de 81 página para a agência, a Monsanto fez lobby contra quaisquer regras especiais. Ele disse que os produtos de RNA devem, na verdade, ser poupados de testes de segurança, os quais disse ser irrelevante, incluindo os criados para avaliar se eles eram tóxicos para roedores e se eles poderiam causar alergias, bem como estudos aprofundados do que acontece com as moléculas no ambiente. Somente proteínas causam alergias, disse Monsanto. E quando a empresa contaminou terra com RNA, este se degradou e não era mais detectável após 48 horas.

Empresas de pesquisa provavelmente nunca vão satisfazer os críticos. O National Honey Bee Advisory Board disse à EPA que o uso de RNA de interferência neste momento colocaria os sistemas naturais no “epítome do risco” e poderia ser tão lamentável quanto nossa aceitação do DDT. “Estamos a décadas de ter compreensão científica suficiente para permitir o uso sustentável e previsível desta tecnologia em condições de campo”, disseram eles. Os apicultores temem que polinizadores possam ser prejudicado por efeitos não intencionais. Eles argumentaram que os genomas de muitos insetos ainda não são conhecidos, por isso os cientistas não podem prever se seus genes irão corresponder a um alvo em RNA.

Assessores da EPA, em seu relatório do ano passado, concordaram que havia pouca evidência de que a ingestão de RNA era um risco para as pessoas. Mas será que existe algum tipo de risco ecológico? Esta questão acharam mais difícil de responder. Monsanto pinta RNA como seguro e rápido para desaparecer, mas o objetivo é torná-lo letal para os insetos e ervas daninhas e a empresa quer desenvolver formulações mais duradouros. Quanto tempo? Nas árvores de Hunter as moléculas persistiram por meses. Além do mais, as próprias descobertas da Monsanto têm ressaltado as formas surpreendentes em que RNA de cadeia dupla pode mover-se entre as espécies.

Estas descobertas sugerem a ação de uma biologia complexa, levando consultores da EPA a dizer que a “potencial escala” de utilização do RNA na agricultura “exige a exploração do potencial de efeitos ecológicos não intencionais” RNA pode ser natural. Mas a introdução de grandes quantidades de moléculas de RNA-alvo no meio ambiente não é. O painel consultivo concluiu que “as falhas de conhecimento fazem com que seja difícil de prever” exatamente quais problemas podem surgir.

No entanto, o maior desafio para sprays de RNA, me disse Nitzan Paldi, não vai vir de reguladores. O verdadeiro problema pode ser resumido em uma única palavra: Monsanto. “Para metade do mundo, é o suficiente para saber que é ruim”, diz ele. “A Monsantoestá introduzindo uma nova tecnologia, e ponto final. Mas a Monsanto também é a melhor maneira de tornar isso real. Para a cultura científica, esta é a molécula dos sonhos”.

FONTE

MIT Technology Review
Antonio Regalado
Tradução por Elisa Matté (Opinno)

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